A PLENITUDE DO TEMPO

Tempo bom geralmente é fazer sol, é dar praia, é não chover, é sair com a roupa preferida sem sentir calor nem frio.

Me desafiei a pensar no que seria tempo bom naquele dia, mas nada disso me preencheu nem me satisfez.


Veio-me à cabeça a imagem de quando era criança e comia um macarrão delicioso na casa da minha tia em Água Santa. Aquele prato simples, mas feito com amor por quem sabe. Nunca gostei de macarrão, mas aquele comia com prazer. Vai entender.



Eu comia de um tudo e não engordava.



Pensei também em minha mãe. Sempre muito dedicada ao que lhe trazia responsabilidade, dividindo seu tempo entre mim e seu trabalho, sobrando muito pouco para suas tentativas de namorados, que, para seu azar, (ou sorte) nunca duravam muito tempo.

Sylvia me ensinou que o negócio era estudar, ser independente, não perder tempo e ser 'alguém na vida', o que sempre me intrigou, pois pensava em quanto tempo eu seria capaz de alcançar conseguiria essa proeza. Parecia ser algo muito complexo e difícil e certamente eu queria que ela estivesse por perto para sentir orgulho de mim. Afinal de contas eu gostaria de dedicar tudo a ela.

Logo em seguida me veio a lembrança de quando saí de uma escola pequena para uma maior, conheci muitas pessoas diferentes, descobri-me falante, simpática, desenrolada. Foi o momento em que desabrochei e tive o primeiro encontro comigo mesma. O mais especial de todos, pois foi quando passei a apreciar a minha própria companhia. Senti que finalmente estava entrando no mérito de como me tornaria alguém.

Ao longo dos anos seguintes vejo muitos tempos de correria, suor, estudo, amizades, noites em claro, paixões, frustrações, vitórias, risadas incontroláveis, choradeiras intermináveis. Se tem algo que eu sempre fiz bem foi chorar. Feliz ou triste, as lágrimas sempre escorreram pelo rosto facilmente.

Acho que em algum momento me perdi em minhas tentativas de ser alguém e foi então que de fato eu vi que havia finalmente me descoberto. Percebi-me uma identidade ambulante com raízes fincadas em um solo fértil, com capacidade única para manter amizades. Desenvolvi gostos, valores e me permiti iniciar um processo sem fim e atemporal de conhecimento e desenvolvimento de mim e de todos com quem cruzei.

Perdi a noção do tempo que passou durante todas essas reflexões e também confesso que não sei ao certo quanto tempo duraram todas essas experiências.

A cabeça ia e voltava em momentos que jurava ter vivido, mas que desapareciam como folhas arquivadas dentro de uma pasta sem índice, meio sem início nem fim como se já não mais importasse muito a ordem das coisas. Elas simplesmente estavam lá e me ajudavam a lembrar da composição de um eu que, a cada instante seguinte, já não era mais o mesmo. E lá vinham mais lembranças...

Esses tempos eram bons, ainda que em algumas memórias não houvesse sol e não desse praia. Ainda que em alguns momentos eu tremesse de frio e estivesse correndo da chuva sozinha. Eu simplesmente estava lá e isso tornava tudo diferente.

Eu tinha simpatia por mim e todas as lembranças fizeram com que eu me sentisse em paz com as minhas escolhas, resignada com meus insucessos e orgulhosa de todas os meus ápices. Vi que o tempo me trouxe tudo isso ao passar por mim.

Ele foi tão suave e sutil que sinto como se ele tivesse um dia esbarrado em mim, pedido licença para tomar uma xícara de chá e daí foi ficando pro jantar.

Vivi flashes inesquecíveis que constituíram a plenitude do meu ser e, em cada fração de segundo, geraram descobertas sobre mim mesma que me tornaram diferente, melhor a cada dia, eternizando lembranças, me transformando em alguém bom com o tempo. Bom para o tempo. Ah, tempo bom!

Clarissa Lima




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