A ÁRDUA TAREFA DE (RE)COMEÇAR
Acordei sem muita vontade. Estranhamente senti
fome. Raramente sinto fome ao acordar e justamente naquele dia: Segunda-feira,
início da dieta que deveria ter começado há 2 meses atrás.
Abri a geladeira e dei de cara com um bolo de
aniversário do dia anterior. Aquele pedaço de bolo que a gente sempre se recusa
a levar pra casa, mas que sempre acaba aceitando por educação e por piedade do
anfitrião que a cada fatia destribuída diminui o prejuízo de manter uma sobra
maior em sua casa, que não será consumida por ninguém.
Não comi. Fechei a geladeira com um sorriso
orgulhoso e parti com louvor para um iogurte light que me esperava, não com o
mesmo sorriso, mas com o prazo de validade acabando mesmo.
Dali foi um pulo para a hora do almoço. E para
o lanche da tarde. E para o jantar. Fazia 2 anos de casada no dia seguinte!
Como poderia esquecer!
Já que no dia seguinte provavelmente sairia
para jantar, pensei que não haveria problema então começar a dieta na quarta.
Assim o fiz. Ou tentei fazer. Quem começa a dieta na quarta? Quem começa algum
novo plano numa quarta-feira? Claro que perdi mais uma semana.
E assim levamos todos os objetivos em nossa
vida que queremos adiar. Vamos protelando, até que um dia nos vemos sem opção e
acabamos, sem curtir o prazer da coisa,
fazendo-a por obrigação. Começar... Como é difícil começar.
O nascimento. O parto. Existe coisa mais
complicada que dar à luz? A mulher carrega um bebê durante 9 meses, escolhe seu
nome dentre milhares, faz seu enxoval, se depara com uma imensidão de textos e
livros sobre como ser uma mãe adequada, decide se vai ter um parto normal, uma
cesariana ou um parto à moda antiga, humanizado. “Decide”. O bebê vem ao mundo
do jeito que der, do jeito que é pra ser, e rezemos para que fique tudo bem.
Acho até que os 9 meses são bem propensos para que ambos os lados aceitem seus
novos começos: ela começa a ser mãe do lado de cá enquanto alguém começa a
existir do lado de lá.
Imagine o bebê, recém-chegado num mundo
barulhento, se adaptando a diferentes estímulos visuais, sem muito do que se
alimentar, sem poder se manter sem auxílio, sem caminhar, sem falar. Com tantos
desafios, os bebês se vêem cada vez mais obrigados a serem mais rápidos nessa
fase de adaptação, afinal de contas serão passados para trás se não o fizerem.
É uma luta diária em prol da melhoria na comunicação com o meio e pela
ampliação de sua capacidade de sobrevivência.
Depois passa-se pela adolescência e pela
aceitação dos colegas. Como é difícil começar qualquer coisa nessa idade. Tudo
vira e desvira moda num piscar de olhos. É fundamental estar ligado, antenado,
informado, bonito, sarado, ter um namorado e outros muitos “ados”. Simplesmente
há de ser alguém, não importa como nem quem. E não dá para simplesmente
existir. Agora é preciso encontrar uma identidade. É necessário começar.
O grande barato é que nessa idade existe tempo
para começar e recomeçar. E recomeça-se com frequência. Na busca de um
autoconhecimento, faz-se de um tudo para descobrir o que agrada aos amigos, o
que é orgulho para os pais, o que é obrigação moral, o que é puro prazer e o
que realmente alimenta a alma.
Dado o passar dos anos, os começos se tornam
mais raros e consequentemente os recomeços são vistos como grande ousadias.
Ao tomar decisões socialmente esperadas,
tendemos a nos acomodar e lutamos com o que traduzimos lá atrás com tanto
esforço. Nos conhecemos, descobrimos do que gostamos, construímos quem somos e
de repente quando temos uma oportunidade de fazer valer todas as descobertas e
de dar continuidade a elas, simplesmente cortamos nossas asas, desrespeitamos
nossos vários começos e recomeços e desonramos a nós mesmos.
Deixamos de viver em busca de nossa felicidade
e nos acorrentamos para evitar possíveis frustrações futuras. Sorrimos falsos
sorrisos, fazemos dietas não somente de carboidrato e gordura, mas também de esperança,
cultivamos uma mesquinhez sem tamanho, nos permitimos ser menos em nossas vidas
e menos na vida dos outros.
É nobre reconhecer um mal começo e ir em busca
de um fim acompanhado de um novo começo.
É inteligente que após uma escolha ruim,
peça-se desculpas a todos os envolvidos, e principalmente a si mesmo, e se
permita tomar um outro rumo que aponte para um lugar em que o sol brilhe mais,
em que haja mais flores, em que as nuvens sejam menos cinzentas, em que haja
mais paixão.
A vida não é perfeita, mas se alimenta de
momentos felizes, de pensamentos positivos, de sonhos. O que sustentava nossa
alma sã há 10 anos atrás pode não mais ser suficiente, mas fatalmente descobriremos
o alimento com sabor mais apropriado para a ocasião, o vinho que harmoniza com
o novo prato, o amor que vai te tirar do tédio, a dieta a qual você irá melhor
se adaptar, o objetivo que te tornará alguém mais importante , o poder que te
tornará invencível, a idéia que vai mudar a sua vida.
Por fim, acabamos reconhecendo que, embora
sejam acompanhados de algum nível de dor e sacrifício, necessitamos de espaço para
novos começos. Não é uma questão de escolha. Somente eles nos farão ter contato
com o que há de mais íntimo em nós mesmos, com a nossa essência, com o que nos satisfaz.
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