Sobre privilégio

Me contorço na cadeira quando ouço que para realizar os sonhos, basta querer e principalmente quando utilizam um exemplo de alguém muito pobre que mal tinha o que comer, que morava nas ruas e que se formou em medicina. Acho tão triste que ainda existam pessoas que não percebem que esses casos são a exceção e que a vida não é igual para todos, que as oportunidades não são as mesmas e que para algumas pessoas, investir toda a energia para ter o que comer, sem esmorecer, já é o auge do dia. Pessoas que nasceram em condições sociais de extrema vulnerabilidade têm sequelas emocionais intensas e, ainda que consigam ascender socialmente com um esforço descomunal, sofrem preconceito extremo durante o processo. Muitos tentam, mas não sobrevivem ao processo porque para começar a tentar, são necessários muitos recursos. E antes que surja uma outra solução mágica para a vida alheia, não, essas pessoas não têm acesso à terapia, psiquiatra, antidepressivos e ansiolíticos. O tempo destinado a isso está tomado com possibilidades de trabalho aqui e ali, sobrevivência mesmo. Não digo que essas pessoas jamais melhorarão suas vidas, mas não quero romantizar este processo de esforço triplo, de força mental e de muito, muito diferencial mesmo. O acesso à educação de qualidade para todos seria um pontapé. Políticas sociais enquanto essas pessoas ganham fôlego durante muitos anos pra se equipararem em termos de oportunidade também são necessárias. A discussão é muito longa e jamais será minha pretensão abordar em alguns parágrafos tudo o que penso que isso representa, mas fica a reflexão. Antes de julgar as pessoas por suas condições de pobreza e dizer que elas estão onde estão porque querem, pense em todos os privilégios que permearam sua vida até o dia de hoje. Se você nunca se preocupou em ter um abrigo para fugir da chuva ou em acordar e ter o que comer, talvez você não devesse nunca mais questionar a força de vontade alheia. Clarissa Lima

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